EDITORIAL No. 86 - QUALIFICAÇÃO DE CONTEÚDOS NA INTERNET
por ANTONIO MIRANDA
Uma questão polêmica que se apresenta no debate sobre a qualificação dos conteúdos na Internet é a de quem opina sobre o quê. Um exemplo para ficar bem claro: quando a Amazon começou a vender livros — nos primórdios do
e-commerce —, ela apresentava os dados sobre os títulos dos livros em venta e divulgava desenhos de especialistas sobre as obras. Depois descobriu que isso inibia em vez de promover as vendas e passou a divulgar a opinião do público em geral. Pode ser democrático, mas o usuário entre as malhas do jogo da publicidade dirigida, da lógica do bestseller, era que o “melhor” é sempre o mais vendido, o mais popular, como acontece também com as estratégias das exibidoras de tv e cinema. Sítios de vídeos e músicas na rede apelam para o mesmo expediente, na lógica de que “o público tem o que merece”.
Podemos cair na arapuca do “elitismo” na medida em que o popular, pela produção em escala, resulta unitariamente mais barato e viável comercialmente, enquanto que o mais “exclusivo” e refinado acaba sendo para consumo privilegiado e caro. Nos canais abertos de TV são programados para os horários mais tardios...
As celebridades do futuro, de onde virão? Sobreviverão os mitos e as divas?
O famoso artista plástico norte-americano Andy Warhol, preocupado com a fatuidade das vanguardas no século 20, afirmou que teriam apenas 15 minutos de glória, no futuro.
Queria significar que a mídia glorifica novos heróis e celebridades com o estardalhaço dos fogos de artifício, de efeito instantâneo. Descartável.
Estamos diante de um fenômeno — o da celebridade nas artes — e na literatura, em processo de mutação acelerado. Sempre foi assim, é óbvio, mas as tecnologias e os meios de comunicação de massa (ainda tem quem se ocupe deles?) estariam ditando novas regras no processo.
Os artistas e autores do século 19 eram produtos da indústria cultural que começava nas tipografias das grandes editoras, passava pelos teatros, e pela ópera e terminavam nas livrarias, nas academias de letras e nos salões da burguesia. O teatro e a ópera eram instantâneos, circunstanciados, mas repercutiam na imprensa e nas rodas sociais, criando mitos e divas. O livro levava a vantagem de sua materialidade e da multiplicidade de exemplares, ampliando-se com o surgimento do folhetim — o bisavô da fotonovela, da radionovela e da novela da televisão, no afã de conquistar um público massivo, graças aos avanços da alfabetização, da urbanização e do crescimento da classe média ascendente.
Imaginemos Sarah Bernhardt viajando ao Rio de Janeiro para umas poucas performances no Teatro Municipal e o grande Caruso indo até Manaus...
Dá para garantir que muita gente “admirava” artistas que nunca haviam visto e obras que nunca teriam assistido ou lido.
— Um registro intercalado: nosso querido poeta Fabricio Carpinejar afirmou, nas celebrações dos 100 anos do conterrâneo Mario Quintana, numa cerimônia em Brasília (em 2006), que o célebre autor gaúcho não é tão lido assim, mas as pessoas assumem que o conhecem e o admiram por referências e trechos na mídia... É uma celebridade!
Certo que existem alguns cartões-postais de Sara Bernhardt. E precários acetatos com a voz de Caruso. Mais que celebridades, agora eles são mitos, criados por outros meios de divulgação: baseados mais nos testemunhos, reportagens, livros, imagens que perpetuam a fama além da própria obra, como no caso de Quintana e, in extremis, com Frida Kahlo que as pessoas só conhecem por reproduções ordinárias.
A TV mudou o paradigma da celebridade, instalando os astros e estrelas diante do sofá das casas dos telespectadores, criando uma intimidade invasiva, promíscua, diuturna. Para letrados e ágrafos.
O artista de televisão, visto no palco (expostos como mercadorias de consumo garantido) vivifica uma relação de intimidade ou “familiaridade”.
Que dizer quando o espectador encontra um artista no restaurante ou na praia, materializando o mito? Um valor circunstante, que vale enquanto o artista está evidente na programação das emissoras, perdendo a atratividade e a reconhecibilidade à medida que sai de cena.
Salvo em casos excepcionais, quando viram mitos e divas, privilégio de poucos. Artistas famosos, não pelo talento — por melhor que atuem no padrão reconhecível — mas pela beleza física, são descartáveis e só resistem uma temporada, são substituíveis por caras novas, logo promovidos numa escala massiva que leva à saturação da imagem e à renovação...
Com os bestsellers, também fabricados pelo marketing das editoras, o fenômeno pode ser mais duradouro na medida em que a celebridade faz vender, independentemente da qualidade. O público se hasteia na fama e nas referências projetadas pela mídia. Livros de primeira linha nas livrarias, principalmente nos aeroportos, que os/as leitores/as compram por saber que são célebres, por estarem em evidência e/ou na moda.
|